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João Pedro Roriz.

A mitologia na sala de aula

Atualizado: 23 de nov. de 2019


A mitologia grega no dia a dia das crianças

Devido às inúmeras referências sobre as lendas antigas em diversos seguimentos do conhecimento humano, a mitologia se tornou-se matéria paradidática nas escolas, base para a criação de produtos culturais e para as mais diversas produções bibliográficas

Por João Pedro Roriz* | Foto: Reprodução/excursion.gr | Adaptação web Caroline Svitras | Publicação original Revista Ensino Fundamental (Escala - SP).

As antigas lendas da mitologia sempre foram repassadas, por meio da oralidade primária, dos mais velhos para os mais novos. Algumas dessas histórias abordam o imenso poder universal da ação e da reação e são utilizadas até hoje para educar as crianças. Em uma dessas lendas, o jovem filho do sol, Faetonte, insiste em dirigir o Carro de Sol, mesmo sem ter as habilidades necessárias para esse trabalho e morre após causar uma terrível tragédia. Já o mito grego de Midas mostra que a ambição cega pela riqueza pode endurecer o coração dos homens e até afastá-los de seus entes mais queridos.

Até mesmo algumas palavras da Língua Portuguesa possuem raízes nas velhas lendas gregas. Um exemplo é a palavra “hermafrodita” que, por sua vez, deriva-se do nome de dois deuses, Hermes e Afrodite. Segundo uma antiga lenda helênica, ambos foram separados pela espada de Zeus em uma bela referência às diferenças entre os gêneros masculino e feminino.

Hermes e Afrodite, obra de François-Joseph Navez (1787 – 1869), pintor belga neoclássico

Da mesma maneira, a mitologia serviu para justificar atos falhos dos homens. Donos de terra e monarcas possuíam sua própria versão das antigas lendas e as impunham às pessoas de acordo com seus interesses mesquinhos. Um homem rico poderia ser infiel à esposa, pois seguia os exemplos de Zeus. Mesmo o vício pela bebida era visto como uma virtude pelos homens que acreditavam que o álcool o aproximava dos deuses. Segundo as leis dionisíacas, o homem que alcançasse um estado de euforia por meio da bebida, poderia se transformar em um herói, o primeiro estágio para conquistar a imortalidade. Por outro lado, a embriaguez também poderia ser explicada pela mitologia. De acordo com os gregos antigos, aquele que tentasse ser imortal por meio da bebida seria amaldiçoado pelos deuses, tornando-se desequilibrado e socialmente inábil.

Referências mitológicas na ciência

A palavra “caos”, por exemplo, remete ao início dos tempos, quando ar, água e terra eram uma única coisa. Segundo a mitologia grega, após a separação dos elementos, algumas estrelas teriam ficado grudadas na terra e, assim, oportunizaram o surgimento da vida. Ora, essa não seria uma versão mítica da teoria científica que sugere que o primeiro embrião, ou a primeira célula viva teria vindo do espaço?

Na ocasião do surgimento do cristianismo, a ideia de um único deus causou um choque cultural em locais onde predominavam as religiões politeístas. Logo, a dicotomia entre as culturas pagã e religiosa se intensificou: a simbologia católica de Adão e Eva foi uma evolução do mito grego de Deucalião e Pirra. Mesmo a soberba antropocêntrica do homem tem seus reflexos na mitologia. Na Grécia, havia a crença de que os homens teriam sido criados à imagem e semelhança dos deuses. Conforme antigas lendas helênicas, o gigante Prometeu teria roubado o fogo sagrado para dar vida aos humanos.

Até a busca pela perfeição individual remonta o ideal de diversas religiões. Desde sempre o homem tenta estar próximo do divino e essa busca invadiu o campo da religiosidade para, depois, alcançar a filosofia, as artes e a psicologia. Mas, em diversas histórias da mitologia, os deuses se irritam quando são desafiados pelos homens. É o caso do mito de Aracne, uma mulher que dizia saber bordar melhor do que os deuses. A deusa da sabedoria Atena desafia a mortal para um duelo e perde a disputa. Como “prêmio”, Atena a transforma em uma aranha para que possa fiar com maior facilidade. Esse mito demonstra com clareza a uniformização das ideias das sociedades antigas, oprimidas por ditaduras, nas quais o talento e a criatividade individuais eram temidos e perseguidos em vez de serem estimulados.

Estudos sugerem que o primeiro Oráculo de Apolo, a virgem Femonoê, foi filha desse próprio deus. De acordo com a lenda, após uma conversa com os deuses, Femonoê teria dito a famosa frase “conhece-te a ti mesmo”, posteriormente atribuída a Sócrates. Tal frase adornou o portão de entrada da cidade de Atenas e tonou-se epicentro de estudos filosóficos, religiosos e sociais até os dias de hoje.

Estatua de Sócrates na Academia de Atenas, Grécia | Foto: Reprodução/classicalwisdom.com

Um olhar mais atento entre os credos antigos e modernos possibilitará uma reflexão sobre as semelhanças entre os anjos do catolicismo, as entidades espirituais da umbanda e os deuses das antigas lendas mitológicas. Por outro lado, o Oráculo de Apolo da Grécia Antiga, dotado de incrível faculdade extrassensorial, oportunizará a comunicação com entidades de outros planos, assim como os médiuns das atuais religiões espiritualistas.

Estudiosos sempre fizeram uma relação entre as figuras de Apolo, filho de Zeus, segundo a mitologia grega, e de Jesus, filho de Deus, nas culturas cristãs. Até mesmo a palavra “apologia”, derivada de Apolo, refere-se à aplicação prática de teorias divinas – uma forma de esclarecer, por meio das palavras, aquilo que só pode ser compreendido pela fé. Coincidência ou não, a Bíblia apresenta Jesus como a encarnação da própria verdade quando diz que “o verbo se fez carne”.

Todos os anos, em época de carnaval, os telejornais falam sobre a guerra de liminares entre católicos e carnavalescos. Mas muita gente ignora que essa briga tem uma base histórica. O “carnaval” lembra os bacanais romanos e os festivais gregos da era antiga. Em Atenas, no século 6º a.C., era hábito gozar uma semana de bebedeiras e brincadeiras durante as procissões conhecidas como Komos (em referência ao deus da folia), realizadas em homenagem a Dioniso (ou Baco). Durante as Leneias, os homens de bem largavam suas famílias e dedicavam-se a uma semana de perdições. A festa da “carne vã” era realizada em comemoração às semanas de fartura que antecedem a Quaresma – época de escassez de alimentos que a Igreja Católica estabeleceu como ideal para a purificação do corpo e da alma.

A maçã, vista como símbolo do pecado na cultura católica, também tem suas referências na mitologia grega. A Guerra de Troia é um conflito mitológico originado, segundo a tradição, por causa de uma maçã de ouro disputada entre as deusas Hera, Afrodite e Atena. Nem mesmo os contos de fada infantis escapam desse paradigma, tanto que é por causa de uma maçã que Branca de Neve adoece e morre. A própria palavra maçã, em inglês apple, remonta à palavra Apolo que, além de ser o deus do sol, é reconhecido como o deus da lira e da maçã. A história da Branca de Neve também tem “os dois pés” na mitologia grega. O começo dessa fábula lembra a trágica história do rei Édipo. Por outro lado, as histórias de Cinderela e A Bela e a Fera trazem claras referências ao mito Eros e Psique.

Eros e Psique na concepção do pintor francês William-Adolphe Bouguereau | Foto: Wikipedia Commoms

Por isso, a importância da mitologia não está só dentro de um contexto histórico, mas como parte de um processo de transformação da literatura e da cultura contemporânea e essa não é uma missão difícil, se pensarmos que crianças e adolescentes apreciam o mundo de mistério e magia que envolve as trágicas lendas da mitologia, com seus deuses, figuras bestiais, vilões e heróis.

O que trabalhar com esse texto?

A partir do momento em que a criançada compreender a importância da herança grega para a civilização contemporânea – que está cerca de 3 mil anos distante dela, elas também perceberão a influência que os gregos exerceram nas civilizações mais próximas em termos temporais. Caso dos romanos, por exemplo, que dominaram a Grécia política e militarmente, mas se adaptaram culturalmente a ela. Por isso, faça-os notar que, embora o fim do Império Romano do Ocidente, em 476 d.C., também representasse o fim da influência greco-romana no mundo ocidental, que passou a ser modelado pelo cristianismo, por outro lado, a cultura e a mitologia greco-romana nunca foram esquecidas, tanto que ambas foram retomadas ao fim da Idade Média, no período do Renascimento e novamente, no século 18, com o neoclassicismo.

Mitologia, arte e religião

É importante deixar claro para os alunos que a mitologia grega ou greco-romana, apesar das origens ligadas ao caráter religioso, com o tempo, foi perdendo esse significado e ganhou um caráter artístico. No século 15, por exemplo, ao retratar a deusa greco-romana Vênus, o pintor Sandro Botticelli não pretendia exaltar uma deidade, mas um ideal estético de beleza. No entanto, ainda convém salientar que, desde a Grécia Antiga, separar a mitologia da arte é algo quase impossível, pois as manifestações artísticas daquela época já tratavam essencialmente de temas mitológicos. Além disso, foi por meio da arte que tomamos contato com a mitologia grega. A grande quantidade de templos (arquitetura), de esculturas, baixos-relevos e pinturas e a literatura são as principais fontes que temos da mitologia grega.

A criação dos deuses e a luta pelo poder

Explique que os gregos não acreditavam que o universo tivesse sido criado pelos deuses. Ao contrário, eles acreditavam que o universo criara os deuses. Nesse contexto, existiam o Céu e a Terra, que geraram os Titãs, antigos deuses, entre os quais Cronos que reinou sobre os outros. No entanto, o Destino –uma entidade à qual os próprios deuses estavam submetidos – determinou que Cronos seria destronado por um de seus filhos. Por isso, mal eles saíam do ventre materno, Cronos os devorava. Porém, Reia, sua mulher, resolveu salvar seu último filho, escondendo-o do marido. O menino, que recebeu o nome de Zeus, cumpriu a profecia. Ele destronou Cronos e retirou de seu estômago todos os irmãos que haviam sido devorados. Com eles, passou a reinar sobre o mundo. Sua corte, que residia em um palácio no topo do Monte Olimpo, era formada por outros 11 deuses, entre os quais seus irmãos, esposa e filhos.

Na prática
  • De início, deixe a criançada identificar a posição geográfica da Grécia e do Monte Olimpo em um mapa-mundi ou atlas.

  • Depois, com a ajuda do pôster, peça para que escolham e pesquisem a história de um dos 12 deuses gregos, tanto para conhecê-lo quanto para identificar os comportamentos humanos apresentados pelo imortal.

  • Em seguida, faça com que explorem a importância da arte grega para a arquitetura ocidental e sua influência na literatura, cinema e até desenhos animados.

  • Na sequência, peça que tracem um paralelo entre os mitos gregos e os contos de fada e entre a ação e a reação que se destacam em ambos. Por fim, sugira que discutam o ideal de beleza grega e sua influência na contemporaneidade.

*João Pedro Roriz é escritor, jornalista e arte-educador. Especializado em literatura infanto-juvenil, possui 30 publicações voltados para essa faixa etária. Além disso, ele também realiza, em âmbito nacional, palestras dramatizadas e shows educativos em escolas, universidades e eventos educacionais, com destaque para os temas como motivação pedagógica, bullying, incentivo à leitura e mitologia. Para contatá-lo e obter mais informações, acesse: http://joaopedrororiz.com.br

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