É impressão minha, ou as crianças de hoje não sabem brincar?
O condomínio onde moro tem uma área de lazer com piscina infantil. O barulho que chega em meu apartamento nos finais de semana nunca é de crianças rindo ou brincando: é sempre (sempre!) de choro, de birra e de gritos de frustração. Nesses dias de sol, desci para curtir a piscina dos adultos e fazer um pouco de exercício. Passei pela área infantil e entendi o que acontece.
Aqui, em meu condomínio, é proibido os adultos entrarem na piscina das crianças, mas isso é recorrentemente ignorado. Os pais ficam dentro da piscina das crianças, segurando elas, intermediando a cada segundo os conflitos entre os pequenos, limitando seus espaços, protegendo-os de todos os males que uma manhã na piscina pode lhes causar. Acreditam que estão cuidando delas, mas estão incapacitando-as, bloqueando-as e frustrando-as. O resultado é esse: choros, birras e frustrações.
Vivi minha infância em uma década em que nossos pais nos criavam um pouco mais livres. Nem sempre era o ideal, pois ideal não existe. Sim, nossos problemas mais graves eram por vezes negligenciados. Mas o extremo oposto disso está criando uma colônia de crianças histéricas, principalmente nas grandes cidades, onde regras restritas de comportamento, convivência com os pais apenas nos finais de semana e confinamento causam sofrimento parecido com o de uma tortura.
Cinco crianças vão ao parquinho aqui do prédio. E de longe, eu e minha esposa - que é psicóloga - avaliamos os contextos. Em um momento raro, quando são colocadas para brincar em grupo, sem a mediação agressiva de um adulto - que sempre pende as decisões para a satisfação dos próprios filhos - elas se perdem, ficam sem saber o que fazer. Elas ficam se olhando frustradas e se batem, se mordem e gritam (como gritam!). Ali não há sorriso, não há traços de alegria ou de criatividade tipicamente infantil, apenas dispersão de adrenalina, oportunidade de berrar a céu aberto e de reclamar.
Não é estranho ver os consultórios de psicologia tão cheios de crianças. Os pais não conseguem entender porque as crianças estão tão violentas, tão irritadas e porque não são capazes de ser felizes mesmo com todo aparato que lhes é oferecido. Eles ficam impressionados quando descobrem que às vezes fazem demais pelos filhos: traçam planos por eles, livram-nos em demasia de seus próprios destinos, impedem-os de brincar, de seguir seus instintos e de se arriscar minimamente; instruem-nos demais, vivem a vida por eles e impõem pacotes de solução nem sempre eficazes para todos os grandes problemas da vida; impõem aos filhos os medos do mundo dos adultos e não explicam suas motivações, apenas restringem o contato deles com o novo, protegem-nos de tudo que supostamente possa lhes fazer mal e lhes negam experiência e vivência em uma época onde conhecimento sobre si e sobre o mundo significa absolutamente tudo. E quando falo de super proteção, não estou falando dos perigos evidentes e sim do risco de ser mordido por uma formiga, do risco de trepar no trepa-trepa, de brincar no balanço, de jogar futebol, de brincar de fingir, de ficar perto daquele menino que teve piolho no ano passado...
Esses pais não estão de fato presentes na vida de seus filhos: são ausentes na maioria do tempo, relegam a educação à escola e às babás e quando sobra um final de semana com os filhos, querem enguli-los, guiá-los, tirar o tempo perdido e tomar a cria só para si. Entre faltas e excessos, formaremos uma geração extremamente tecnológica, socialmente inábil e emocionalmente imatura. A mistura desses elementos na persona e seus reflexos na sociedade serão evidentes daqui a alguns anos. Só não podemos prever como é que será.
João Pedro Roriz é jornalista, escritor e arte-educador.